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No Donbass já ninguém acredita em acordos com a Ucrânia
Publicado em 22/08/2025 10:00
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Em conversa com amigos de Donetsk, a principal cidade do Donbass, onde mais tempo passei como jornalista, perguntei-lhes sobre como estavam a ver os encontros sobre o conflito nos Estados Unidos. Recordaram-me que para eles a guerra dura já há 11 anos e que tal como olharam com baixas expectativas para os Acordos de Minsk, que a Ucrânia nunca cumpriu, fazem a mesma coisa agora.

 

Ouvem o zumbido diário dos drones ucranianos sobre as suas cabeças e ainda há poucos dias morreu uma idosa na cidade depois de um ataque de Kiev. Porque é que não há jornalistas ocidentais a reportar o que acontece no Donbass, controlado maioritariamente pelas forças russas? O desequilíbrio na cobertura jornalística permanece. Não há cidade alguma controlada pelas forças ucranianas longe da linha da frente que viva aquilo que esta gente vive e é, sobretudo, nestas que os jornalistas ocidentais se concentram.

 

Até ao momento, não comentei as conversações em curso sobre a guerra na Ucrânia e parece-me cada vez mais claro que os aliados europeus de Zelensky só aceitarão um acordo se tal for imposto por Washington. Como tenho sublinhado várias vezes, parece-me óbvio que nem Kiev nem os seus aliados querem parar a guerra. A Rússia tampouco tem pressa, uma vez que está em vantagem no teatro das operações.

 

Dizia Emmanuel Macron que Vladimir Putin é um predador e que está às portas da Europa. Há que recordar uma e outra vez, independentemente da nossa simpatia ou antipatia pelo presidente russo, que Moscovo é uma capital europeia e que a Rússia é também parte da cultura do nosso continente. Dostoievski, Gorki, Gogol, Kadinski, Chagall, Tchaikovski, Prokofiev, Catarina, Nicolai II, Lénine, Stalin. Todos eles fazem parte da nossa história diversa e comum. A demonização e brutalização da Rússia pelo Ocidente político é parte da propaganda de guerra.

 

Muitos comentadores televisivos continuam a alinhar na propaganda e a chocar com os factos. Recordo que a guerra não começou em 2022. Começou em 2014. Ao golpe de Estado patrocinado pelo Ocidente que derrubou o legítimo presidente da Ucrânia para lá meter um aliado dos Estados Unidos e União Europeia sucedeu-se uma revolta com o apoio de Moscovo que teve protagonistas as regiões russófonas que tinham votado maioritariamente em Viktor Yanukovych.

 

Foi esse novo regime pró-ocidental que proibiu partidos, associações, jornais, que ilegalizou o uso da língua russa, entre outras, nas instituições e nas televisões, que impediu a celebração da data que derrotou o nazi-fascismo, que promoveu paradas neonazis e que cometer massacres em Odessa e em Mariupol com poucos dias de diferença.

 

O Ocidente empurrou a Ucrânia para a guerra civil e dividiu as populações e, posteriormente, aconselhou Kiev a assinar os Acordos de Minsk para evitar que os separatistas ganhassem mais territórios. Angela Merkel e François Hollande assumiram em 2022 que só tinham apoiado esses acordos de paz para dar tempo à Ucrânia para se armar e treinar. Nunca quiseram realmente o fim da guerra. Será desta vez?

Argumentam que a constituição ucraniana não permite a cedência de territórios. Mas por acaso não foram precisamente estes protagonistas que rasgaram a anterior constituição, proibiram partidos e derrubaram um presidente? Quem fez tudo isso não terá certamente dificuldade em imaginar formas de reformar esta constituição.

 

Termino com uma história bonita. No jardim zoológico que visitei em 2022 em plena guerra, acaba de nascer um urso. Chamaram-lhe Zahar. Como Zaharchenko, o presidente separatista do Donbass, que se sentou à mesa com os ucranianos para negociar a paz. Foi assassinado pelos ucranianos com um atentado terrorista em 2018.

 

 

 

Autor: Bruno Carvalho (Jornalista) in Facebook

 

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