O mesmo Lula da Silva que desrespeitou a soberania das decisões das instituições da Venezuela, hoje fruto dos ataques de Donald Trump volta a descobrir a existência de princípios sagrados como a independência, a inviolabilidade da soberania de um Estado e suas instituições.
Será que Lula da Silva já pediu desculpas a Maduro?
Quem é angolano residente em Luanda, ou quem esteve em Luanda naquele período difícil sabe que fui das primeiras e das pouquíssimas vozes angolanas que defendeu publicamente em emissoras de rádio, em canais de televisão, em jornais e artigos, de que a presidente Dilma Rousseff tinha sofrido um golpe, de que Lula não era corrupto, de que Lula era um preso político, de que os EUA tinham participado nas manobras judiciais que resultaram na prisão de Lula para o afastar das eleições.
Tive cessar a colaboração com uma estação de rádio em Luanda fruto de divergências com o então director de informação da mesma, um indivíduo pró-ocidental irritado com as minhas opiniões. Tive discussões com amigos que achavam que Lula tinha sido condenado por culpa comprovada por corrupção. Tive de enfrentar muitos debates e aborrecimentos nas redes sociais visto que no princípio muita gente não percebia o que de facto estava em curso no Brasil e quem realmente era o Sérgio Moro.
Mesmo estando no outro lado do oceano Atlântico eu acompanhei diariamente o drama dos mais de 500 dias de detenção injusta de Lula e a fidelidade de muitos dos seus apoiantes, como por exemplo o acampamento do MST e vários outros seguidores. De forma modesta eu sentia-me parte da ampla rede internacional de apoio em favor da liberdade de Lula.
Quando Lula da Silva foi posto em liberdade celebrei com júbilo, sentimento que tive a oportunidade de partilhar com milhares de luandenses que ouviam o programa de Rádio em que na época eu colaborava numas das emissoras de rádio na Capital angolana.
Durante as eleições para o terceiro mandato de Lula da Silva, acompanhei o apuramento dos votos com os meus filhos madrugada a dentro. Os meus filhos aprenderam a gostar do Lula não apenas por influência minha, mas porque eu os expliquei sobre o quão porquê importante era apoiar Lula da Silva.
Quando Lula da Silva visitou Angola já investido como presidente neste terceiro mandato, Marcos Uchôa, o seu então reporter presidencial convidou-me para uma entrevista no hotel onde decorriam os actos oficiais. A entrevista aconteceu e chegou a ser publicada no canal oficial da presidência do Brasil. Quando perguntei ao Marcos Uchôa sobre como ele tinha obtido o meu contacto, ele afirmou que o meu nome tinha sido indicado por alguém que considerava que em Luanda eu era a pessoa que mais falava sobre o presidente Lula e todas as questões inerentes. Por esta razão eu era a pessoa certa para falar sobre as relações entre Angola e o Brasil.
Dias depois do regresso da delegação brasileira de Luanda para Brasília, Marcos Uchôa enviou-me uma forografia do momento em que o presidente Lula lia um poema escrito por mim em homenagem ao seu Neto Artur, falecido durante o período da prisão de Lula, tendo inclusive este sido impedido de ir ao funeral. Este poema de março de 2019 foi publicado no saite Duplo Expresso, pelo camarada Wellington Calazans (e ainda está online).
Porém, o mesmo Lula da Silva que passou por todas as agruras por obra dos tentáculos do império vestiu ele próprio a camisa de imperialista contra o presidente Nicolas Maduro, desrespeitando a soberania e a independência das instituições venezuelanas. E tão grave quanto isto, este mesmo Lula da Silva impediu o ingresso da Venezuela nos BRICS, agredindo o direito dos venezuelanos ao progresso. Esta é para mim a maior mancha e a maior tragédia no currículo de Lula da Silva.
Eu apoiei Lula da Silva por aquilo que ele representava para o mundo oprimido que luta contra o imperialismo e contra a neocolonialismo. Apoiei Lula pela sua história e sobretudo pelos valores de Esquerda e de progresso vinculados à sua trajectória, até ao dia do seu posicionamento quase fascista contra Nicolas Maduro e contra a soberania da Venezuela.
Como o tempo é o grande mestre e a história sempre cíclica, eis que existe um verdadeiro imperialista e fascista chamado Donald Trump, para recordar a Lula quem ele é de facto e fazê-lo lembrar que "picante no olho do Maduro não é refresco".
Desta feita, enquanto não houver um pedido de desculpas oficiais do presidente Lula da Silva ao presidente Nicolas Maduro, eu nunca mais defenderei Lula.
É verdade que para muitos Lula da Silva contuará sendo um gigante enquanto que eu apenas um anónimo. No entanto, a história do mundo está cheia de gigantes com os pés de barro.
Algures, 10.07.2025
Orlando Muhongo