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A queda brusca da Europa
Por Administrador
Publicado em 10/07/2025 10:44
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Conta-se, segundo o relato de Heródoto, que a princesa fenícia Europa, filha do rei Agenor, estava aproveitando um dia de praia com suas amigas quando foi avistada pelo deus Zeus, que imediatamente se apaixonou por sua beleza. Para se aproximar dela, Zeus transformou-se em um touro branco e resplandecente. O belo animal se aproximou e sentou-se aos seus pés. Europa, pouco a pouco, foi ganhando confiança e começou a acariciá-lo. Depois, montou no touro (Zeus), que havia estado esperando justamente esse momento para se lançar ao mar com Europa em seu dorso e agarrada a seus chifres. Atravessando o mar, levou-a até a ilha de Creta, onde os dois se uniram à sombra de algumas árvores que, em eterna recordação daquele acontecimento, jamais perderiam suas folhas.

O sábio Heródoto jamais poderia imaginar que o nome daquela princesa fenícia, amante de aventuras com touros e deuses, seria herdado por um continente inteiro, que viria a se tornar o berço da civilização ocidental, concebida entre pedras e oliveiras da Grécia Antiga. E certamente poucos podíamos imaginar que essa Europa, que sempre sentimos tão próxima, tão importante para nossa história e cultura, e tão idealizada por muitos turistas, amantes das formas elegantes e aficionados por estereótipos, acabaria novamente sequestrada. Mas desta vez, não por um deus — e sim pelo Fascismo.

Dentro de seu falso e hipócrita conceito de "tolerância" e "multiculturalismo", que sempre foi mais um slogan do que um sentimento profundo da maioria das pessoas, construiu-se um grande circo político que teve suas melhores representações cênicas em eventos como a Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, no ano passado. Infelizmente, não se trata de mais ou menos respeito à diversidade sexual ou religiosa. A realidade é muito mais grave. Tal como a Europa de Heródoto com o touro Zeus, a nossa Europa brincou demais com um animal desconhecido, seguindo instruções de seus donos econômicos, financeiros e militares, até que o animal — com ela montada em seu dorso — se desfez de todas as máscaras e agora mostra ao mundo sua inequívoca imagem de monstro sedento de sangue humano.

Uma queda brusca na qualidade de vida dos europeus, como um dos muitos "feitos" do neoliberalismo galopante, a deterioração da educação pública, a decomposição cultural sempre disfarçada de "modernidade", e tudo isso multiplicado pelos reais problemas da imigração e pelo cultivo totalmente artificial e agressivo da "agenda WOKE", geraram um caldo de cultivo ideal para ressuscitar o pior da recente história europeia.

A instalação de uma tirania nazista na Ucrânia, a guerra contra monumentos e túmulos de soldados soviéticos nos Estados Bálticos e em outros países da Europa Oriental, o cancelamento da cultura russa — que em determinado momento chegou a se tornar quase uma política oficial do "mundo civilizado" — são apenas os primeiros passos da Besta que prepara seu golpe mortal em escala globalizada.

Enquanto os dirigentes políticos europeus continuam preparando seus povos para uma nova guerra mundial, do lado de fora vê-se com nitidez cada vez maior que essa é uma decisão já tomada, que não depende nem das perspectivas de um acordo sobre a Ucrânia nem da nula ameaça militar do Leste. Os governos da maioria dos Estados da União Europeia são meros gerentes temporários das corporações, que não têm pátria, engrenagens de um mecanismo neoliberal que só funciona com sangue como lubrificante. E uma prova definitiva de que hoje "a Ucrânia é Europa", como sonhavam os nazistas encantadores de multidões no Maidan de Kiev, é que agora a Europa já é Ucrânia.

Os ingênuos argumentos de que "não haverá quem lute na Europa atual" não são verdadeiros. Como em todas as guerras do mundo, em primeiro lugar, quem vai lutar e morrer são os pobres — e o número de pobres na Europa continua crescendo e continuará a crescer. Não se trata apenas do empobrecimento econômico da população, mas também de novas gerações que foram saqueadas e empobrecidas em termos de educação e cultura, o que as impede de recorrer às lições da história ou de construir por si mesmas relações simples de causa e efeito. Criou-se um ambiente ideal para a produção de carne de canhão que nem sequer perceberá que está sendo levada ao matadouro.

Os migrantes podem ser transformados em mercenários, incentivados pela possibilidade de obter cidadania e dinheiro. Às mulheres será oferecido o belo slogan feminista de que sua não participação na guerra é uma "discriminação patriarcal". As redes sociais e as gangues de nazistas nas ruas criarão uma "opinião pública majoritária" e ninguém se lembrará dos direitos de nenhuma minoria (por exemplo, os "objetores de consciência"). Se muitos desses mecanismos de manipulação funcionaram com sucesso na Ucrânia, será ainda mais fácil aplicá-los em outros países vizinhos, porque todas as gerações já trocaram a curta memória histórica pelas infinitas imbecilidades das redes sociais.

Me pergunto quantos amantes dos "valores europeus" já se questionaram alguma vez: por que todas as guerras mundiais sempre começam no mesmo umbigo desta civilização?

Diferente de outras catástrofes e tragédias, todas as guerras, assim como a arte, as religiões, as civilizações e as culturas, são obras humanas. Talvez sejam a prova definitiva da pobreza da nossa imaginação e da nossa falta de espiritualidade como caminho. Nossos ancestrais distantes, de diferentes nações, que percebiam as guerras como algo congênito e inevitável — como o canibalismo ou as catástrofes naturais — confundiam as imagens da guerra com as da fome e das doenças, representando divindades distróficas com ventres inchados e sem pupilas. Os espíritos e deuses das guerras não pertencem nem aos vivos nem aos mortos; são barqueiros de uma travessia sem retorno. Hoje, mesmo depois de termos aprendido tanto sobre a geografia secreta desses rios, de algum modo seguimos voltando a eles.

Talvez o principal indicador de civilização em qualquer sociedade seja sua capacidade de prevenir as guerras. Essa é a melhor e mais confiável defesa de qualquer pátria. Uma civilização que transforma as guerras em jogos de computador e em símbolos sexuais de masculinidade é, na verdade, primitiva e pré-histórica.

Lembro que, quando crianças, não compreendíamos a luta da URSS pela paz. Naquela época, apenas os veteranos que ainda estavam vivos conheciam o verdadeiro valor da paz. Nossos avós e bisavós derrotaram o fascismo porque o homem e o soldado soviético entendiam por que estavam dispostos a morrer e a matar — e não viam nisso nenhum romantismo. Acredito que, entre outras razões, a tragédia ucraniana também se tornou possível com a partida da maioria dos veteranos da Grande Guerra Patriótica. Eles eram os mais seguros guardiões da paz.

O elemento mais atroz de qualquer guerra são suas engrenagens, que inevitavelmente trituram a vida e o destino dos inocentes. As imagens dilacerantes de civis morrendo, de Gaza e Síria até Rússia e Ucrânia, são horríveis porque refletem não apenas o passado, mas também o futuro — onde as vítimas enxergam em cores e com detalhes sua última manhã. São as engrenagens da guerra, que moem finamente os ossos, os sonhos e os planos dos habitantes de países inteiros, sem se importar com razões políticas ou históricas de ninguém. Essas engrenagens fazem parte da natureza da guerra. Um soldado soviético no monumento do Treptower Park, em Berlim, está salvando uma menina alemã dessas engrenagens. A grandeza desse feito está justamente na sua simplicidade cotidiana. Essa menina também é a Europa.

Para aprender a odiar o fascismo de verdade, é preciso primeiro sabermos nos limpar com a compaixão pelo próximo. Hoje, quando os últimos cenários do teatro do "mundo civilizado" estão desmoronando, cabe a nós recolher os pedaços do espelho quebrado da história — não pela ilusão de colá-los novamente, nem para nos contemplarmos de forma autocomplacente, mas para não nos cortarmos com suas bordas afiadas.

 

Autor: Oleg Yasynsky

Fonte: https://rtbrasil.com/opiniao/oleg-yasinsky/14213-sequestro-europa/

 

 

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