Offline
Tarifaço de Trump e a questão nacional, por Paulo Kliass*
Por Administrador
Publicado em 16/07/2025 09:00
Novidades

A partir de suas ameaças, ele [Trump] terminou por estimular a criação de uma ampla frente em defesa de medidas a serem adotadas pelo governo brasileiro na defesa dos diferentes atores envolvidos”



Talvez ainda seja muito cedo para avaliarmos com todos os detalhes as consequências do mais recente episódio desta que promete ser uma longa temporada da série “O tarifaço de Donald Trump”. O novo Presidente estadunidense tomou posse no dia 20 de janeiro e, de lá para cá, sua gestão tem se caracterizado como um grande movimento carregado de imprevisibilidades. Ele atua no cenário internacional como uma verdadeira metralhadora giratória, dando tiro para todos os lados e atingindo indistintamente países e atores sociais de vários tipos.

 

Ainda que ele termine por passar uma imagem de alguém louco e desequilibrado, o fato é que na maioria das vezes sua estratégia tem uma racionalidade bem definida. Trump via de regra inicia um processo com bastante agressividade, posiciona suas peças em um espaço bem avançado e depois aceita recuar aos poucos, caso necessário. O problema é que ele costuma iniciar vários movimentos simultaneamente, sempre com o objetivo de se manter como o centro das atenções e ser visto como o ator mais relevante, buscando manter o monopólio das iniciativas.

 

Em menos de seis meses à frente da Casa Branca, ele já cutucou agressivamente parceiros históricos e vizinhos estratégicos, como o Canadá e o México. Por outro lado, também lançou ameaças em direção à Dinamarca (e, por isso, indiretamente à própria União Europeia) por conta de suas bravatas a respeito de eventual ocupação da Groenlândia. O mesmo foi feito em direção do Panamá, com as ameaças de retomar o canal que permite a interligação dos Oceanos Pacífico e Atlântico. Em sua estratégia confusa, Trump tem conseguido se afastar de parceiros relevantes na cena geopolítica global.

 

O BRASIL CONTRA TRUMP E BOLSONARO

 

Em sua tentativa de consolidar o movimento em favor da recuperação da capacidade industrial e econômica interna aos Estados Unidos, o novo Presidente lança o “Make America Great Again”, o MAGA – “Faça os Estados Unidos grande de novo”. Para tanto, ele lançou mão da política de tarifas sobre as importações efetuadas pelos agentes econômicos norte-americanos. Construiu um movimento errático, carregado de idas e vindas, de avanços e recuos. Mas a cada novo passo, apresentava uma alternativa de recuo. Nem mesmo Javier Milei, o Presidente da Argentina e trumpista de primeira hora, foi poupado de medidas de restrição nas exportações do nosso país vizinho para lá.

 

No caso brasileiro, fomos atingidos por aquela primeira medida ampla e geral de 10% de tarifas para importações de todos os países e produtos. Em seguida, também fomos afetados pela imposição de tarifas de 25% sobre as importações de aço e alumínio. E agora, mais recentemente, surgiu a nova medida, com uma alíquota generalizada de 50% sobre todas as importações de origem brasileira. A ameaça foi acompanhada de argumentos que nada têm a ver com relações comerciais, uma vez que o Brasil é deficitário nas relações econômicas com os Estados Unidos. Ou seja, na Balança Comercial entre os dois países, importamos mais do que exportamos. Na verdade, o fato mais relevante teria sido o processo contra o ex Presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF). É sabido que o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro está há vários meses nos Estados Unidos, realizando um lobby desesperado em defesa de seu pai e contra o governo brasileiro.

 

Ocorre que a decisão de Trump, anunciada para entrar em vigor a partir de 1º de agosto, afeta negativamente um conjunto amplo de setores de nossa economia, além de ter o significado de uma ingerência externa indevida no processo jurídico de nossa mais alta corte do Poder Judiciário. O resultado deste processo tem sido o crescente isolamento do bolsonarismo em nosso ambiente político e partidário, uma vez que seus defensores mais aguerridos chegaram a defender as medidas do Presidente estadunidense contra o Brasil.

 

TRUMP AGRIDE O BRASIL E O MUNDO

 

O fato concreto é que o tarifaço de Trump recoloca em cena o debate a respeito da chamada “questão nacional”. A partir de suas ameaças, ele terminou por estimular a criação de uma ampla frente em defesa de medidas a serem adotadas pelo governo brasileiro na defesa dos diferentes atores envolvidos. Desta forma, uma das consequências políticas foi o fortalecimento da figura do Presidente Lula. Um conjunto de setores que não tinham praticamente nenhuma simpatia pelo Chefe do Executivo passaram a se aproximar dele, uma vez que a prerrogativa de operar as relações comerciais é da Presidência da República.

 

Ao que tudo indica, Lula tem conseguido sair do relativo isolamento político em que se encontrava e até mesmo algumas pesquisas de opinião passaram a demonstrar uma melhoria nos índices de aprovação de seu governo. Ao assumir para si a coordenação das ações em defesa das empresas e dos setores exportadores brasileiros afetados pela nova etapa do tarifaço trumpista, o nosso Presidente tem conseguido apoio dos principais grandes meios de comunicação e mesmo de representantes de associações empresariais que nem sempre lhe são muito simpáticos.

 

No plano internacional, a chancelaria brasileira tem recebido manifestações de apoio de diferentes países. Até mesmo a China, normalmente bastante discreta em suas movimentações, tornou pública a sua condenação das ameaças norte-americanas, saindo em defesa das posições assumidas por nosso governo. Uma das interpretações está associada ao fato de Trump ter visado também os BRICS ao impor esse novo tarifaço ao Brasil. O governo estadunidense tem buscado tomar ofensiva contra o movimento generalizado pela desdolarização nas trocas internacionais, chegando a afirmar que isso equivaleria aos EUA perderem uma guerra.

 

TARCÍSIO: UM BOLSONARISTA CONTRA O BRASIL

 

Assim, o receio da perda da hegemonia do dólar nas relações internacionais também tem sido um fator a estimular as ações de Trump contra os países membros do “novo” bloco, que tem contado a cada dia que passa com novos membros. Além do clima de hostilidades contra a China, a Casa Branca agora ameaça escalar também o seu tom com anúncio de medidas duras contra a Rússia. Ao contrário do que afirmava anteriormente, Trump passou a criticar abertamente o Presidente Putin por conta de suas posições no conflito com a Ucrânia. A ameaça mais recente menciona a possibilidade de novas tarifas de 100% sobre as importações oriundas da Rússia, caso aquele país não assine um cessar fogo com seu vizinho.

 

A identificação de um agente externo como responsável pela crise interna costuma facilitar a consolidação de uma frente ampla, em defesa da soberania nacional e dos interesses brasileiros nas relações com o resto do mundo. No caso concreto, a postura de Trump oferece de bandeja a Lula o elemento que lhe fazia falta para construir um movimento robusto em defesa do Brasil. Neste movimento, até mesmo figuras como o governador de São Paulo, o carioca Tarcísio de Freitas, saem chamuscadas. Em razão de suas raízes históricas de vinculação com Bolsonaro e sua família, o chefe do governo paulista chegou a manifestar simpatia à inciativa de Trump. Tal irresponsabilidade política e social tem lhe custado muito caro e, mesmo depois de buscar uma correção de rota, Tarcísio passou a ser visto com muita desconfiança por parte da própria elite empresarial paulista e mesmo nacional.

 

LULA COSTURA A FRENTE EM DEFESA DO BRASIL

 

Sob tais condições, Lula tem a seu dispor a alternativa de exigir contrapartidas dos empresários. Isso porque o discurso não pode se restringir apenas a defender os interesses do capital nessa polêmica do tarifaço e de suas consequências sobre a economia e a sociedade brasileiras. O governo deve defender os setores afetados, uma vez que os reflexos de uma redução do mercado exportador norte-americano são significativos. No entanto, também neste caso fica evidenciado que apenas apelar e aguardar pela fadinha mágica das livres forças de mercado não resolve quase nada. A presença do Estado no estabelecimento de políticas públicas é fundamental para evitar danos à capacidade exportadora das empresas. Assim, percebe-se que é plenamente justificável as demandas para que Lula estabeleça a exigência de compromissos com a manutenção dos empregos, com níveis dignos de remuneração e com as condições de trabalho dos assalariados.

 

Ao fim e ao cabo, as trapalhadas de Trump terminam por fortalecer a unidade de amplos setores da nossa sociedade contra os extremismos de ultra direita bolsonarista e também para servir como alerta para que seja reforçada uma estratégia de defesa de nossa soberania nacional contra os desmandos do imperialismo ianque.

 

 

*Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal

 

 

Comentários