Diante da urbanização mais intensa da História, país optou pelo transporte público. Metrôs, trens e ônibus elétricos espalharam-se. Rede de alta velocidade é o dobro de todas as outras do mundo, somadas. Agora vêm os ônibus autônomos.
A China vive o maior e mais rápido processo de urbanização da história da humanidade. Centenas de milhões de pessoas migraram das áreas rurais para as cidades, levando ao surgimento de megacidades e à expansão das áreas urbanas. Essa rápida urbanização colocou imensa pressão sobre as infraestruturas de transporte existentes, resultando em estradas congestionadas, sistemas de transportes públicos sobrelotados e aumento da poluição. A rápida urbanização levou o governo a adotar iniciativas de cidades inteligentes voltadas para a criação de ambientes urbanos mais habitáveis, sustentáveis e eficientes.
Uma das maiores apostas para “rejuvenescer” o país e torná-lo mais moderno passou a ser o investimento na malha de transporte. Nos últimos 15 anos, a China tem conduzido uma verdadeira revolução nos seus sistemas de mobilidade. Impulsionados pela rápida urbanização e por avanços tecnológicos inovadores – de redes ferroviárias de alta velocidade a ônibus elétricos e iniciativas avançadas de planejamento urbano – a China está revolucionando a maneira como as pessoas se movem dentro das cidades e entre regiões.
A rede ferroviária de alta velocidade é uma prova dos esforços ambiciosos de desenvolvimento de infraestrutura do país. Os projetos começaram em 2004, quando o governo chinês criou o Plano de Rede Ferroviária de Médio e Longo Prazo, determinando que a capacidade de transporte do país deveria atender as necessidades do desenvolvimento econômico e social nacional. O plano incluiu o projeto de uma rede de ferrovias de alta velocidade chamado “oito verticais e oito horizontais”. A meta foi a de duplicar a rede anterior para melhorar a conexão entre as regiões Norte e Sul, e entre o Leste e o Oeste do país. Outro objetivo era expandir a rede de trens de alta velocidade até conectar todas as cidades com populações de mais de meio milhão de habitantes.
Hoje, com mais de 38.000 km de linhas ferroviárias de alta velocidade em operação, a China ostenta a maior e mais extensa rede deste tipo do mundo. O sistema conecta grandes cidades em todo o país, oferecendo opções de transporte rápidas, eficientes e acessíveis para milhões de passageiros todos os dias.
A China chegou a 105 cidades com mais de 1 milhão de habitantes. Grande parte delas é atravessada por estações de trem de alta velocidade. Projetos como a linha que conecta Guangzhou a Shenzhen e Hong Kong integraram a população e impulsionaram o desenvolvimento de várias regiões. Além disso, as linhas que chegam até áreas remotas, como a Ferrovia Lhasa-Nyingchi, no Tibete, sugerem um compromisso de conectar todas as regiões, trazendo desenvolvimento para áreas mais isoladas. A velocidade é um fator decisivo desta revolução. Os trens de alta velocidade chineses atingem até 350 km/h. Isso significa uma diferença gigantesca para quem precisa se deslocar entre cidades distantes. Uma viagem entre Pequim e Xangai, que antes levava 12 horas, hoje é completada em pouco mais de 4 horas. Já o trajeto entre Pequim e Guangzhou, que durava 21 horas, agora é feito em apenas 7 horas. Com a redução do tempo de viagem, milhões de chineses conseguem aproveitar mais do tempo em suas rotinas.
A China também tem exportado sua tecnologia ferroviária de alta velocidade para outros países, no Sudeste Asiático (como a ferrovia Bangkok-Nong Khai na Tailândia e a linha Jacarta-Bandung da Indonésia), África (Nairóbi e Addis Ababa, por exemplo) e, mais recentemente, Europa, em cidades como Belgrado e Moscou, bem como a rota de trem de carga Pequim-Budapeste, de 9.500 km.
Além da conexão entre as cidades e regiões, a China está investindo pesadamente na modernização de seus sistemas de transporte público. Em 2004, começou a construção em grande escala de trens urbanos e corredores de ônibus. A concepção do sistema de BRT de Pequim, lançado em 2005, baseou-se em experiências latino-americanas, como os corredores de ônibus do Brasil e as estações fechadas, com serviço rápido e frequente, pagamento antes do embarque e alta qualidade de informações para os passageiros. Já são quase 50 cidades chinesas com sistemas de BRT funcionando. Em 2017, 29 cidades já tinham algum tipo de trem urbano – categoria que inclui metrôs, veículos leves sobre trilhos (VLT), monotrilhos e sistemas automatizados – com 118 linhas que percorrem 3.862 quilômetros e transportam 17,68 bilhões de passageiros por ano. Os sistemas de trens urbanos de Shanghai de Pequim tornaram-se mais extensos que os de Londres e mais movimentados que os de Nova York e Paris. Cidades como Shenzhen e Guangzhou introduziram sistemas avançados de cobrança de tarifas inteligentes, plataformas integradas de transporte inteligente e sistemas de informação de passageiros em tempo real para aumentar a eficiência e a conveniência dos serviços de transporte público.
Em algumas cidades, os trens urbanos são responsáveis por metade de todas as viagens feitas em transporte público. O transporte público de alta capacidade (metrôs, trens urbanos e BRT) em São Paulo, por exemplo, alcança apenas 25% da população. Em Pequim, chega a 60%, substituindo formas de transporte privado, com uma queda constante da proporção de viagens em carros privados e táxis.
O transporte inteligente também desempenha papel central nesses esforços, com cidades implantando redes de sensores, tecnologia de internet das coisas (IoT, em inglês) e análise de dados para otimizar o fluxo de tráfego, reduzir congestionamentos e melhorar a qualidade do ar. Por exemplo, Hangzhou, conhecida por suas estratégias inovadoras de planejamento urbano, implementou um sistema abrangente de mobilidade inteligente que integra transporte público, programas de compartilhamento de bicicletas e soluções inteligentes de gerenciamento de tráfego. A plataforma City Brain da cidade usa algoritmos de IA para analisar padrões de tráfego, prever congestionamentos e otimizar os tempos de semáforo em tempo real, resultando em um fluxo de tráfego mais suave e tempos de viagem reduzidos para os passageiros.
A China foi pioneira na adoção de ônibus elétricos como uma alternativa sustentável aos veículos tradicionais movidos a diesel. O país abriga a maior frota de ônibus elétricos do mundo, com milhares deles operando em cidades por todo o país, como Pequim, Guangzhou e Hangzhou. Ao fazer a transição para ônibus elétricos, a China visa reduzir a poluição do ar, combater as mudanças climáticas e promover soluções de energia limpa. As bicicletas elétricas também têm se espalhado por todo o país, bem como os sistemas de compartilhamento de bicicletas, lançados por marcas como Ofo e Mobike. São opções que oferecem velocidade e conveniência. Muitas cidades tornaram-se mais silenciosas e agradáveis.
Na área de transporte públicos, uma das inovações mais importantes é o ART (Autonomous rail rapid transit). Embora seu nome contenha rail (trilho), são veículos que circulam sobre pneus, como os ônibus. São “bondes sem trilhos”, recuperando inovações do trem de alta velocidade e projetando-as em um ônibus. As inovações ferroviárias de alta velocidade transformaram um ônibus em algo com as melhores características do metrô leve, mas sem seus problemas. Substituem o ruído e as emissões dos ônibus pela tração elétrica a partir de baterias recarregadas nas estações em 30 segundos, ou no final da linha em 10 minutos. Têm toda a velocidade (70 km/h), capacidade e qualidade de condução do metro ligeiro com o seu sistema de orientação óptica autônomo, eixos duplos e sistemas hidráulicos e pneus especiais.
A CRRC Zhuzhou desenvolveu este sistema e iniciou uma primeira operação comercial em Zhuzhou, na província de Hunan, em maio de 2018. A linha ART mais longa da China, a Linha T4 do sistema ART Yibin, em Sichuan, sudoeste do país, iniciou a operação de teste de passageiros julho de 2023. A extensão total da Linha T4 é de 47 quilômetros. Existem 22 estações terrestres e um estacionamento na linha. A velocidade projetada da linha é de 70 quilômetros por hora. Conectando o Novo Distrito de Sanjiang e o Distrito de Nanxi de Yibin, a linha principal é uma estrutura importante para o contato rápido entre a área urbana de Yibin e seu Distrito de Nanxi. O ramal combina transporte de passageiros com passeios de lazer, graças a um corredor paisagístico ao longo do rio Yangtze. A Linha T4 encurtou o tempo de viagem entre o Novo Distrito de Sanjiang e o Distrito de Nanxi para 20 minutos. Em 2023, abriu outro sistema como linha de demonstração em Xi’an, no noroeste da China, província de Shaanxi. Em 2023, também foi implantada linha em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
O veículo ART padrão consiste em três vagões que podem transportar 300 pessoas; mas pode levar cinco vagões e 500 pessoas, se necessário. Os bondes sem trilhos podem evitar as piores características do metrô leve – interrupções e custos. A construção de vias férreas pode levar anos, causando grandes perturbações na economia local. O sistema de tração do ART é baseado em baterias de íons de lítio, proporcionando autonomia de 25 km com carregamento rápido de 10 minutos.
A China está na vanguarda do desenvolvimento de tecnologia de direção autônoma e sistemas de transporte inteligentes que empregam inteligência artificial, big data e conectividade para melhorar o gerenciamento de tráfego e a segurança nas estradas. Empresas como WeRide, Baidu e Pony.ai estão conduzindo testes extensivos e testes de implantação de veículos autônomos em centenas de cidades. O Estado tem apoiado publicamente esses esforços, emitindo regulamentações e diretrizes para facilitar o desenvolvimento e a implantação da tecnologia de direção autônoma. A ambição do país de liderar o mundo em tecnologia de veículos autônomos levou a investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento.
Em 2017, a empresa Golden Dragon apresentou o ASTAR, um novo modelo de miniônibus elétrico medindo seis metros de comprimento e dois metros de largura — sendo por isso extremamente ágil e manobrável. Já foi implatando nas províncias de Zhejiang, Guangdong, Jiangsu, Shaanxi e Fujian, tornando-se parte no transporte urbano. Na cidade de Fuzhou, o ônibus elétrico ASTAR está equipado com 10 assentos e pode transportar no máximo 24 passageiros. Atualmente, funciona em 12 rotas e oferece mais comodidade de viagem para mais de 280 mil passageiros que precisam viajar entre suas casas e as estações de metrô. Em Longgang, província de Zhejiang, um total de 40 unidades de ônibus elétricos ASTAR cruzam a cidade. Trabalhando em quatro rotas de microônibus, eles conectam áreas comerciais, comunidades residenciais, escolas e mercados de produtos agrícolas da cidade. Os residentes podem facilmente obter os serviços de ônibus simplesmente acenando com as mãos. Em Xiamen, os residentes podem solicitar serviços de transporte ASTAR em seus smartphones, o que economiza muito tempo das pessoas. Graças às tecnologias 5G, os ônibus elétricos ASTAR funcionam sob demanda, aumentando significativamente a sua eficiência. Como ônibus de condução autônoma de segunda geração, atingem o nível 4 de direção autônoma e são capazes de realizar uma série de tarefas exigentes, incluindo evitar barreiras, planejar rotas, ultrapassar outros veículos, estacionamento autônomo, etc.
Esta revolução na mobilidade chinesa só está sendo possível pelo papel do Estado conduzindo o planejamento territorial e econômico, com financiamento massivo e grande capacidade na execução de projetos. Ferrovias de alta velocidade cruzando o país, eletrificação das frotas de ônibus e mobilidade compartilhada, automação, foco nas pessoas e grandes investimentos em tecnologia estão tornando a China uma referência em transporte moderno e sustentável. Seus experimentos de grande escala nas áreas de transporte são de enorme valor para outros grandes países em desenvolvimento.
Autor: Fernando Marcelino
Crédito da foto: outraspalavras.net
Fonte: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/como-a-china-encara-a-mobilidade-urbana/