Decorreu marcada pela emoção a cerimónia na qual o Governo venezuelano apresentou no passado sábado à comunicação social e aos convidados estrangeiros para assistir às eleições autárquicas marcadas para este domingo, cerca de duas dezenas dos 252 jovens recém-libertados do autodesignado CECOT -Centro de Confinamento do Terrorismo- em Toculpa, El Salvador, para onde haviam sido deportados por ordem da administração Trump, sob a acusação de imigração ilegal e alegado envolvimento em atividades criminosas.
Os jovens e respetivas mães compareceram no ato público realizado na Casa Amarilla, sede do Ministério venezuelano dos Negócios Estrangeiros, que contou com a presença da vice-ministra Camilla Fabri, presidente da “Missão Regresso a Casa” e do vice-ministro das Relações Exteriores para a América
Latina, Rander Peña, para além de Karlyn Fuentes, que foi a porta-voz do movimento de mães dos jovens recluídos em condições de tortura e maus- tratos no cárcere salvadorenho, contratualizado pelo presidente do país, Nayib Armando Bukele, a troco de um alegado pagamento pelos Estados Unidos, de seis milhões de dólares https://www.bbc.com/mundo/articles/cp8y60n4m88o.
“Faltam 32 crianças, Camila, 32…”
Presenças de destaque no acto público que constituiu o Movimento das “Mães Heróicas” venezuelanas, foram as de Carmen Arias, presidente do mundialmente conhecido movimento argentino “Mães da Praça de Maio”, constituído há 48 anos, por mães e avós de jovens activistas políticos de esquerda presos pela ditadura fascista do general Videla, que reivindicavam saber o paradeiro dos seus filhos, entre os 30 mil “desaparecidos” às mãos da Junta Militar Argentina.
Também presente, a médica pediatra cubana, Aleida Guevara, filha do lendário Ernesto Che Guevara, lembrou pormenores da chamada Operação Peter Pan, na qual a CIA e agentes cubanos com a participação de padres católicos, forjaram no início dos anos 1960 uma suposta lei segundo a qual o governo revolucionário se aprestava para retirar aos seus pais todas as crianças até cinco anos, para enviá-las para a URSS (numa primeira versão, também se afirmava que o sequestro era destinado a matar as crianças para “fazer compota”). A operação resultou no envio pelos seus aterrorizados pais de 14 mil crianças para os EUA, na que foi, segundo Aleida Guevara, “a maior deslocação de crianças desacompanhadas” em toda a História do continente
americano” (ver aqui o documentário “La pupila Asombrada”, sobre o assunto
https://www.youtube.com/watch?v=dHt3ejnA56U).
O repatriamento de emigrantes venezuelanos em dificuldades nos Estados Unidos é uma das linhas prioritárias da atuação das autoridades venezuelanas
(que se insere com um carácter especial na chama Missión Vuelta a la Patria, com mais de nove mil repatriados desde o seu início, segundo números oficiais). Intervindo telefonicamente, em alta voz, na cerimónia da Casa Amarela, o presidente da República, Nicolás Maduro Moros, que dirigiu politicamente a operação de repatriamento dos jovens venezuelanos, mencionou também o regesso de um grupo de 14 crianças pequenas que tinham sido separadas dos seus pais pelas autoridades norte-americanas, ficando em centros de acolhimento, enquanto os seus pais eram expulsos, no que Maduro qualificou como um “sequestro” e uma “política criminosa”, sublinhando a existência de 32 crianças de origem venezuelana naqueles centros norte-americanos. Dirigindo-se diretamente à sua vice-ministra, o presidente venezuelano sublinhou, “ainda faltam 32, Camila, 32, tens que trazê-las custe o que custar”.
As autoridades venezuelanas indicaram entretanto que dos 252 jovens deportados por “imigração ilegal” e por alegado envolvimento em actividades delictivas (nomeadamente integração na organização criminal venezuelana Tren de Aragua”), apenas sete tinham qualquer antecedente criminal e apenas um dentre estes tinha no seu registo um crime grave, encontrando-se detido na Venezuela.
“Ninguém lhes perguntou em quem tinham votado”
Os dirigentes venezuelanos, assim como as mães presentes, sublinharam que, ao dirigirem-se a Maduro, pedindo a intervenção oficial para a libertação dos seus filhos, “ninguém lhes perguntou em que partido político estavam filiados ou em quem tinham votado nas eleições”, pretendendo assim enfatizar o clima de “paz e unidade nacional” alcançado no país, na sequência da contestação aos resultados eleitorais das presidenciais de há um ano.
As negociações foram diretamente dirigidas pelo presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, participando do lado norte-americano, Richard Grenell, representante especial da administração, e tendo a mediação do ex- primeiro-ministro espanhol e secretário-geral do Partido Socialista, Rodríguez Zapatero. As autoridades venezuelanas negaram qualquer interlocução com o presidente salvadorenho, Bukele, que qualificam de “fascista” e “criminoso”.
Em troca, a Venezuela libertou uma dezena de detidos norte-americanos, sob a acusação de atividades subversivas aquando das eleições presidenciais de 2024, e um número atualmente estimado em 28 opositores ao governo de Nicolás Maduro, presos sob a acusação de atividades criminosas, na sequência dos atos de violência pós-eleitoral de há um ano(https://www.bbc.com/portuguese/articles/c17wjp02g92o).
O processo é dadopor observadores internacionais, como emblematizando alguma distensão entre Washongton e Caracas tendo, nos último dias, Nicolás Maduro anunciado o levantamento pelos Estados Unidos da licença para operar em solo venezuelano à multinacional petrolífera norte-americana Chevron, que Trump começara por impor (ver https://www.bloomberglinea.com/latinoamerica/venezuela/eeuu-permite-a-
chevron-reiniciar-la-extraccion-de-petroleo-en-venezuela/).
Autor: Rui Pereira
(Serviço para “Notícias Independentes”)