Mordechai Vanunu faz parte do silêncio nuclear de Israel: um segredo que persiste e vai persistir, enquanto Israel tiver a proteção do seu aliado EUA.
Três décadas após ter revelado ao mundo a existência de um programa nuclear secreto em Israel, Mordechai permanece símbolo de um dos maiores tabus do Médio Oriente: o arsenal atómico israelense, nunca confirmado nem inspecionado oficialmente. A história do “refém nuclear” ganha atualidade renovada à luz da recusa persistente de Tel Aviv em permitir qualquer verificação internacional sobre o seu potencial bélico atómico.
Em 1986, Vanunu, então técnico na central nuclear de Dimona, entregou ao jornal britânico Sunday Times provas fotográficas e testemunhais de que Israel possuía um arsenal nuclear desenvolvido, contrariando a narrativa oficial de ambiguidade. Estimativas independentes indicavam entre 100 a 200 ogivas, tornando Israel uma potência nuclear não declarada.
Dias antes da publicação da reportagem, Vanunu foi capturado em Roma por agentes da Mossad, num sequestro orquestrado com a ajuda de uma agente infiltrada. Levado clandestinamente para Israel, foi condenado por espionagem e traição num julgamento secreto e passou 18 anos preso - onze deles em regime de isolamento extremo.
Em 2004, cumprida a pena, Vanunu saiu da prisão. Mas não da vigilância. Até hoje, está proibido de deixar o país, de contatar estrangeiros sem permissão, de falar com a imprensa livremente. Qualquer tentativa de fazê-lo resulta em novas detenções - como aconteceu em 2007 e 2010.
Grupos de direitos humanos, como a Amnistia Internacional, denunciam a situação como uma violação das liberdades fundamentais. Vanunu, convertido ao cristianismo, declarou em entrevistas: “Fui punido por dizer a verdade. Israel teme a verdade.”
Israel nunca reconheceu oficialmente possuir armas nucleares. Também nunca assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), ao contrário do Irão, por exemplo. Esta política de “ambiguidade estratégica” permite-lhe manter uma dissuasão implícita sem prestar contas a organismos internacionais.
Ao longo dos anos, organizações como a AIEA (Agência Internacional de Energia Atómica) têm feito apelos para que Israel permita inspeções às suas instalações nucleares. Todos foram recusados. Em votações da ONU sobre a supervisão internacional do programa israelense, Tel Aviv conta frequentemente com o apoio dos EUA para bloquear qualquer avanço.
A recusa de Israel em submeter-se a inspeções contrasta com a pressão ocidental sobre países como o Irão, a Síria ou mesmo a Coreia do Norte. Este duplo padrão é frequentemente criticado por analistas e diplomatas, que apontam para uma assimetria na aplicação das normas internacionais de não proliferação.
Vanunu continua a ser, neste contexto, uma peça desconfortável no xadrez diplomático da região. O homem que tentou lançar luz sobre o programa nuclear de seu país tornou-se, para muitos, o símbolo do preço a pagar pela verdade quando ela desafia os interesses de Estado. Para Israel, manter o silêncio é uma estratégia. Reconhecer oficialmente a posse de armas nucleares implicaria em sanções internacionais, renegociação de acordos de ajuda militar e perda do controle narrativo. Para seus adversários, esse silêncio é motivo de tensão constante e instabilidade regional.
Não se diga, portanto, que a instabilidade da região vem do Irão ou dos proxys do Irão. A instabilidade é o próprio Israel e o seu "formato" de Estado em que as leis internacionais são tábua rasa. Enquanto isso, Vanunu, cidadão sem liberdade plena, permanece como lembrete vivo de que a verdade - especialmente em temas nucleares - pode ser mais radioativa do que qualquer ogiva.
Autor: João Gomes in Facebook