“Continuaremos defendendo o direito do povo saarauí de viver em suas terras, de desfrutar de seus recursos naturais e de determinar a ordem política, econômica, social e cultural que seu povo escolheu. Faremos isso enquanto houver um único grão de areia sob ocupação estrangeira”, afirmou Pedro Prada, embaixador cubano na Argentina, nesta quinta-feira (29) em Buenos Aires, durante a II Conferência da Federação Internacional de Jornalistas e Meios de Comunicação Solidários à Causa Saarauí. Participantes repudiaram de forma unânime o reinado do Marrocos.
Presente à II Conferência da Federação Internacional de Jornalistas e Meios de Comunicação Solidários à Causa Saarauí, em Buenos Aires, o embaixador cubano na Argentina, Pedro Prado fez uma enfática intervenção “pelo direito dos povos à liberdade, à independência, à soberania e a à autodeterminação”, condenou a exploração das imensas riquezas naturais do Saara Ocidental pelo reinado do Marrocos, apontou o histórico compromiso dos cubanos com a causa – iniciado com o Che, já presente em 1963 – e reiterou a continuidade do proceso de irmandade, que se materializou com o envio de profissionais da Ilha às áreas mais necessitadas do deserto até a formação de quadros técnicos para fazer frente a debilidades. Ao não reconhecer a República Sahaaui como um estado independente e deixar de defender o cumprimento das resoluções da ONU sobre a realização de um referendo, a antiga metrópole colonizadora contribui para que seja “perpetuada uma das maiores injustiças do nosso tempo, forçando um povo inteiro a viver como nômades e párias em sua própria terra natal ou a ser expulso para além de suas fronteiras”. Pela relevância do tema e a riqueza de informações, reproduzimos a íntegra da intervenção do diplomata.
Leonardo Wesell Severo (Jornalista) - Buenos Aires
O Saara Ocidental, localizado no Norte da África, é um dos 17 territórios não autônomos sob supervisão do Comitê Especial das Nações Unidas para a Descolonização.
Inicialmente uma colônia espanhola, seu processo de independência foi interrompido em 1976, depois que a Espanha abandonou o território, proclamou a República e o ocupou por países vizinhos [Marrocos e Mauritânia] que reivindicavam os territórios ricos em recursos, cuja jurisdição não é reconhecida pelas Nações Unidas.
A República Árabe Saaraui Democrática, proclamada pela Frente Popular para a Libertação de Saguia el Hamra e Rio de Oro (POLISARIO), foi reconhecida em novembro de 1984 pela maioria dos países da então Organização da Unidade Africana, hoje União Africana (UA), da qual é membro pleno, e um status que foi consolidado.
Mas Cuba se adiantou no tempo. Durante muitos anos, houve intercâmbio a nível político entre a liderança do Partido Comunista Cubano e membros da Frente Polisário. Esses laços começaram após a primeira visita de Che Guevara à Argélia em 1963, onde ele conheceu sobre a luta saarauí e nasceu o apoio à formação do Movimento de Libertação do Saara (MLS) e de seus quadros políticos. Essa organização foi antecessora da Frente Polisário.
Assim, em 1980, quatro anos antes do reconhecimento pela União Africana, e fiel ao seu compromisso com os princípios que regem a Carta da ONU, particularmente o direito dos povos à liberdade, independência, soberania e autodeterminação, Cuba estabeleceu relações diplomáticas com a RASD.
Esta posição, delineada desde os primeiros acontecimentos internacionais da Revolução Cubana e que marca toda a nossa política externa, incluía, antes de tudo, a rejeição ao colonialismo, ao neocolonialismo, à escravidão, ao racismo e à opressão de uns países por outros, por razões econômicas, políticas, religiosas ou de qualquer outra natureza.
O precoce ativismo cubano na formação do Pacto de Bandung, que deu origem ao Movimento dos Países Não Alinhados, bem como, posteriormente, no Grupo dos 77 mais a China, criado no âmbito da ONU, constituem os elementos propulsores da posição desenhada pelo líder histórico da Revolução Cubana, Fidel Castro, e implementada naqueles anos por figuras proeminentes da Revolução, como os então comandantes Raúl Castro e Ernesto Che Guevara e o Ministro das Relações Exteriores da Dignidade, Raúl Roa García, a quem hoje damos continuidade.
Isso explica por que, desde 1980, quando as relações diplomáticas foram estabelecidas, embaixadas foram abertas em ambos os territórios. Desde então, as relações entre nossa nação e a República Árabe Saarauí Democrática (RASD) se transformaram em laços históricos de amizade e fraternidade, desenvolvidos ao longo do tempo e que continuam sendo marcados pelo princípio da solidariedade, outro componente essencial da diplomacia revolucionária cubana.
“No ano da independência, 1976, muitos estudantes saarauís foram excluídos das escolas e universidades espanholas, impossibilitados de se integrar em nações vizinhas onde o espanhol não era falado. Foi o nosso governo que os acolheu”.
Lembramos que no ano da independência, 1976, muitos estudantes saarauís foram excluídos das escolas e universidades espanholas, impossibilitados de se integrar em nações vizinhas onde o espanhol não era falado. Foi o nosso governo que os acolheu.
Mas essa não foi nossa única decisão: como expressão de reconhecimento da soberania saarauí sobre os territórios usurpados, a primeira brigada médica cubana de 11 profissionais chegou aos campos no sul da Argélia após a invasão em 1977 para determinar as necessidades de saúde dos refugiados.
Assim, grupos de médicos continuaram chegando até que uma brigada permanente foi finalmente estabelecida nos campos, especialmente em Tindouf, onde nossos compatriotas colaboram com as autoridades e profissionais saarauís na prestação de cuidados de saúde à população e na proteção das comunidades na zona liberada.
Desde então, mais de 500 profissionais de saúde cubanos participaram de missões internacionalistas na RASD.
Em fevereiro de 2022, nosso governo doou 558.000 doses da vacina cubana Soberana 02 contra a Covid-19 à República Saaraui. Esta vacina, criada e produzida pelo Instituto Finlay, permitiu ao governo de El Aaiún proteger sua população.
Hoje, Cuba colabora com a República Saaraui treinando estudantes (principalmente em áreas relacionadas à saúde) e enviando brigadas cubanas de médicos e professores para os campos de refugiados saarauis, que compartilham com eles as condições hostis do deserto e a resistência.
Além disso, quase 4.000 estudantes saarauís se formaram em escolas cubanas desde 1977, e outro grupo está atualmente estudando em nossos centros educacionais, enquanto brigadas de colaboradores permanecem nos campos de refugiados.
Os nossos irmãos saarauís dizem que há quatro coisas que quase nunca falham numa de suas famílias: ter um familiar no Saara ocupado; ter um parente que tenha sido mártir ou vítima de uma mina; que tenha um combatente e que tenha alguém que tenha estudado em Cuba.
Uma vez que a República Saarauí está sendo privada de seus direitos econômicos e sociais básicos, Cuba se uniu à comunidade internacional, às agências das Nações Unidas e aos mecanismos de cooperação Sul-Sul para promover a cooperação e a assistência humanitária com que subsiste nosso país irmão.
Apesar das severas limitações impostas pelo bloco econômico, comercial e financeiro dos Estados Unidos, unimos forças com o Programa Mundial de Alimentos e contribuímos com 2.500 toneladas de açúcar anualmente para aliviar parte das necessidades alimentares dos refugiados.
Lembramos também que os habitantes da RASD nos territórios ocupados são especialmente vulneráveis, pois não lhes são garantidos outros direitos humanos, como a liberdade de movimento ou a liberdade de expressão, devido à invasão estrangeira. Nessas áreas, há graves denúncias sobre a persistência da escravidão e outros abusos.
A antiga metrópole colonizadora ainda não reconhece a República Saharaui como um estado independente. Além disso, deixou de defender o cumprimento das resoluções da ONU sobre a realização de um referendo e aliou-se estreitamente ao ocupante para impedir o reconhecimento dos saarauis pela União Europeia.
“Um povo inteiro está sendo forçado a viver como nômades e párias em sua própria terra natal ou a ser expulso para além de suas fronteiras”.
Todas essas situações constituem algumas das maiores injustiças do nosso tempo, forçando um povo inteiro a viver como nômades e párias em sua própria terra natal ou a ser expulso para além de suas fronteiras.
Com base no fundamento moral que nos foi conferido pela defesa do respeito e da aplicação dos princípios do direito internacional para os demais povos, assim como fizemos para a nossa pátria, mantemos, sem concessões, o apoio da liderança política cubana à luta pela independência e autodeterminação saarauí ao longo de todos esses anos, e defendemos essa posição em todos os fóruns e organizações multilaterais e regionais, assim como fizemos com a causa argentina das Ilhas Malvinas.
O mundo mudou. Hoje, mais de 80 países do mundo reconhecem a RASD, e muitos outros reconhecem a Frente Polisário como sua representante política legítima e fornecem apoio ao seu povo. Estamos orgulhosos de estar entre os primeiros.
Continuaremos a defender o direito do povo saarauí de viver em suas terras, de desfrutar de seus recursos naturais e de determinar a ordem política, econômica, social e cultural que seu povo escolheu.
Faremos isso enquanto houver um único grão de areia sob ocupação estrangeira. A era do colonialismo acabou.
Muito obrigado!
Fonte: https://horadopovo.com.br/cuba-apoia-soberania-saaraui-e-condena-ocupacao-a-era-do-colonialismo-acabou/