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A (louca) variável britânica sobre a Ucrânia e a NATO
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Publicado em 04/03/2025

A guerra na Ucrânia continua enquanto, fora das fronteiras do país, as reviravoltas dos chamados “aliados” não param de nos surpreender. Depois das querelas na Casa Branca e da partida de Zelensky sem assinar com Trump o tão esperado acordo sobre as terras raras, eis que surge o primeiro-ministro britânico, Sir Keir Starmer, aparentemente também afetado pela síndrome de Churchill, que toma o assunto nas suas próprias mãos, convida Zelensky a ir a Londres para uma reunião especial com alguns aliados europeus com a intenção de encontrar uma solução para o problema, nomeadamente trazer a paz à Ucrânia e convencer Trump a abraçar o seu plano. E qual é a ideia de Starmer? Utilizar os fundos russos congelados pelas sanções ocidentais para financiar a reconstrução e o apoio à Ucrânia, uma ideia repetidamente mencionada e discutida internacionalmente e nunca aceite devido às graves consequências que tal gesto poderia causar.

 

Em primeiro lugar, a apropriação dos milhares de milhões de activos russos congelados em resultado das sanções internacionais é uma forma de fazer com que a Rússia pague pelas consequências das suas acções, por outras palavras, de se vingar, de agir como um vencedor. Mas a Ucrânia e os países europeus que continuam a apoiá-la não ganharam nenhuma guerra, pelo contrário, perderam fatias de território. E aqui abrimos um parêntesis relativamente ao comportamento de Zelensky na Casa Branca. O ex-comediante e os seus aliados europeus não parecem ainda prontos para a paz, querem claramente continuar o conflito até estarem à frente de Putin. Se estivessem realmente empenhados em acabar com a guerra, abandonariam a sua atitude punitiva em relação à Rússia.

 

Os europeus, pelo menos alguns políticos europeus, são claramente a favor de uma guerra total. Mas sem o dinheiro e as armas dos EUA é impossível continuar a lutar, razão pela qual Starmer apresentou a proposta de descongelar os fundos russos e entregá-los à Ucrânia. E sim, os europeus não têm dinheiro para financiar o conflito e até agora deixaram que fossem os americanos a pagar a fatura.

Em segundo lugar, a proposta prevê a criação de um mecanismo internacional, coordenado pelos países aliados, para gerir e redistribuir esses fundos. O objetivo é financiar a reconstrução das infra-estruturas ucranianas, apoiar os civis afectados pelo conflito e reforçar a resistência ucraniana contra a invasão russa. Naturalmente, o Reino Unido desempenharia um papel de liderança nesta iniciativa. Por outras palavras, Londres actuaria como gestor do fundo.

 

O Primeiro-Ministro Starmer era advogado criminalista, especializado em casos de direitos humanos. De 2008 a 2013, quando entrou na política, foi Diretor do Ministério Público (DPP) do Crown Prosecution Service (CPS), a principal agência de acusação em Inglaterra e no País de Gales. E, por isso, domina bem as questões jurídicas, pelo que é surpreendente que não tenha considerado as consequências jurídicas negativas da utilização de fundos russos pelo Reino de Sua Majestade.

Os bens confiscados pertencem legalmente a entidades russas, privadas ou estatais, e a sua apreensão foi justificada pelas sanções como uma medida punitiva e não como um meio de redistribuição. Se os activos de um país fossem confiscados e redistribuídos sem um processo legal internacional, isso prejudicaria a confiança no sistema financeiro mundial. A utilização destes fundos sem um quadro jurídico internacional claro criaria um precedente perigoso, minaria a confiança no sistema financeiro mundial e abriria a porta a eventuais litígios.

 

Muitos países e investidores internacionais detêm reservas financeiras e activos em moedas ocidentais, como o dólar americano ou o euro, no Ocidente, precisamente porque são considerados seguros e protegidos pelo direito internacional. Se os fundos russos fossem expropriados e redistribuídos, outros países poderiam começar a duvidar da segurança dos seus activos detidos no Ocidente. Isto poderia levar a uma fuga de capitais das moedas ocidentais para activos considerados mais seguros, como o ouro ou as moedas de países não alinhados.

Para além disso, existe o risco de uma escalada diplomática. A Rússia já condenou as sanções como um ato de “guerra económica” e a utilização dos seus fundos para ajudar a Ucrânia pode ser interpretada como mais um ato de hostilidade. Isto poderia levar a uma retaliação por parte de Moscovo, complicando ainda mais a já frágil situação geopolítica e arriscando uma escalada do conflito.

 

Por último, há uma questão ética subjacente: será correto utilizar os recursos de um país, mesmo que este esteja envolvido num conflito, sem o seu consentimento? Embora a Rússia seja considerada por muitos como responsável pela agressão, a decisão de expropriar e redistribuir os seus bens pode ser vista como um ato de justiça sumária, sem um processo justo e transparente. Isto levanta sérias questões sobre o cumprimento dos princípios do direito internacional e a legitimidade moral de tal ação.



Autora: Loretta Napolioni - Economista de renome internacional. Leccionou na Cambridge Judge Business Schools e, em 2009, foi convidada como oradora na Ted Conference on Terrorism Issues. Em 2005, presidiu ao grupo de peritos sobre financiamento do terrorismo na conferência internacional sobre terrorismo e democracia organizada pelo Clube de Madrid. Autora de vários livros de sucesso, incluindo Terrorism SPA, Rogue Economics e Maonomics, traduzidos em 18 línguas, incluindo árabe e chinês; ISIS, the State of Terror, publicado em 20 países. O mais recente intitula-se Technocapitalism

Fonte: https://www.lantidiplomatico.it/dettnews-loretta_napoleoni__la_variabile_impazzita_britannica_sullucraina_e_sulla_nato/56082_59489/

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