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O homem-bomba de Brasília e a normalização da loucura
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Publicado em 21/11/2024

Não se contraria doido” é um dito comum no Brasil, e é um dito sensato.

 

Não se contraria doido” é um dito comum no Brasil, e é um dito sensato. Se uma pessoa te disser que aquele que Lula foi substituído por um clone na Operação Storm, porque a General Laura Richardson está com navios-prisões ancorados por toda a costa substituindo os maus por clones, não há muito o que responder. Mais certo é chamar um médico. Assim, considero judicioso o vizinho da minha tia, que a aconselhou a concordar com tudo quando a vizinha deles viesse lhes contar que Lula na verdade é um clone – olha lá, amputaram o dedo da mão errada. E assim fez a minha tia. A história do homem-bomba em Brasília, que também acreditava na Operação Storm, me lembrou esse causo.

Durante a histeria coletiva que tomou conta da direita entre 30 outubro de 2022 (data da eleição de Lula) e 8 de janeiro de 2023, eu tentei me inteirar das fontes dos delírios, inclusive a história dos clones. Com frequência apontava-se como culpado o canal de Youtube de um pastor doido e/ou picareta que usava o universo de Nárnia para representar Bolsonaro como o Leão que vem salvar o Brasil do comunismo. Bolsonaro é católico, mas, ainda assim, podemos localizar esse primeiro surto de loucura direitista como uma coisa de pentecostais e de idosos que passam tempo demais vendo Youtube.

Passado o surto histérico, a crença em clones continuou por aí, normalizada na cabeça de pessoas como a aposentada vizinha da minha tia. Não era para chamar médico, porque é uma crença “normal” dentro de um certo nicho de pessoas sem graves problemas psiquiátricos. Assim descobri outro propagador, esse com uma audiência muito maior do que a do pastor doido: um velho de cabeleira pintada de acaju, com o rosto todo cheio de botox, promete que a Operação Storm vai trazer a Nova Era, ou a Era de Aquário, após livrar a terra de todo o mal. A general Laura Richardson está com navios-prisões ancorados na costa sul-americana. Lula e Maduro já estão presos ou mortos; esses que estão aí são clones – olha lá o dedo amputado da mão errada. O youtuber está há anos garantindo que em breve a Operação Storm será concluída. Coisa significativa: ele não deposita as esperanças em Bolsonaro.

Pois bem: o homem de meia idade que se explodiu vestido de Coringa em Brasília este mês deixou no Facebook um apelo para que Donald Trump acelerasse a Operação Storm. Diante das mensagens (ele mandava mensagens para si mesmo no WhatsApp, printava e postava no Facebook), os bolsonaristas preferiram destacar que o doido pedia que Bolsonaro e Lula abandonassem a vida pública. A seu turno, a imprensa mainstream preferiu destacar que ele era um radical de direita, que acreditava que o Brasil vive sob uma ditadura atroz e desejava a libertação dos presos do 8 de janeiro.

O homem era doido, mas as crenças não eram contraditórias: a direita mais radical hoje considera que Bolsonaro é um frouxo, um traidor, e por isso o odeia. Por isso é que o velho new age de cabelo pintado teve mais sucesso do que o pastor picareta: a salvação está no Exército dos EUA, não em Bolsonaro.

Como a mídia e os bolsonaristas ficaram num jogo de empurra, acabou que não vi ninguém destacar que o doido acreditava na Operação Storm. O velho de cabelo pintado não ganhou os noticiários. Alexandre de Moraes condena muito o ódio, o extremismo, as fake news, mas nada se fala dessas teorias lisérgicas que não estão diretamente relacionadas ao ódio, nem se pretendem noticiosas.

Agora, após o suicídio do homem-bomba, a direita radical entrou em mais um surto histérico. Acreditam que o patriota foi um herói abatido por um sniper quando portava só fogos de artifício, não um doido suicida cujas bombas, por sorte e incompetência, não atingiram ninguém. Tudo seria uma armação de Alexandre de Moraes para que a verdadeira direita pudesse ser pintada como terrorista e reprimida. Será que acreditam em clones também?

O que mais me chama a atenção nessa história toda é a normalização da loucura. Um vetor está muito claro: a liberdade de expressão proporcionada pela internet, e que não encontrou ainda, no Ocidente, uma regulação sadia. Uns pretendem universalizar a Primeira Emenda e liberar todo tipo de discurso; outros pretendem implementar uma censura woke. Não deixa de ser uma projeção dos EUA sobre sua esfera de influência: ou bem ficamos como os Republicanos e sua Primeira Emenda, ou bem aceitamos uma censura favorável aos interesses dos Democratas (que vão desde as “vacinas” de mRNA até a eleição de Lula em 2022).

Olhar para a conjuntura dos EUA ajuda muito. Afinal, a história dos clones é uma repetição de uma maluquice difundida anos antes sobre Biden. A crermos na Newsweek, a teoria de que Biden foi substituído por um clone porque morreu ou foi preso ganhou o Facebook em meados de junho de 2021, e foi veiculada primeiro por um inglês no Telegram.

Pelo jeito, um maluco com o megafone da internet, sem repressão às falas, consegue arregimentar seguidores – não à toa, os EUA são cheios de seitas lideradas por esquisitões. Mas tem mais: pela minha observação pessoal, o direitista exaltado, mesmo que se diga muito conservador e religioso, é ou foi um drogado. Dispensando-se a minha observação pessoal, há fatos públicos. Um dos deputados mais exaltados da direita, de Santa Catarina (mesmo do estado do homem-bomba), teve vazadas fotos cheirando cocaína. Um influencer de direita do mesmo estado, amigo do direitista Pablo Marçal, é réu por tráfico de drogas – e uma das idosas presas do 8 e janeiro, também de Santa Catarina, é uma traficante de drogas julgada e condenada. (Caso o leitor estrangeiro esteja curioso, Santa Catarina é um estado rico e indutrializado, cheio de descendentes de alemães e direitistas, com um grande porto e belas praias.) Junto a Santa Catarina está o país presidido por Javier Milei, o roqueiro “conservador” que se consulta com um cachorro morto. Assim, é de se perguntar quantos desses delírios políticos não são produzidos e consumidos por pessoas que estão fora de si. Nisso, mais uma vez, estamos na companhia dos Estados Unidos, um país cheio de drogados.

Não é à toa, então, que o velho de cabelo pintado faz sucesso pregando a Nova Era. O New Age, o desbunde, foi um momento de promoção de drogas e de revolta contra o “sistema”. Se quisermos procurar as raízes mais profundas dos loucos que cometem atentados a bomba e acreditam nas teorias mais extravagantes, elas provavelmente estarão no fenômeno da Contracultura. Quanto ao Brasil, o próprio Olavo de Carvalho, falecido guru da direita radical, foi um interno de hospício e um astrólogo poligâmico, antes de se apresentar como sóbrio pensador católico conservador. Nada mais contracultural que isso.



Autora: Bruna Frascolla

Fonte: https://strategic-culture.su/news/2024/11/20/homem-bomba-de-brasilia-normalizacao-da-loucura/

 

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