Autor: Juan Manuel Olarieta
Os defensores da doutrina do aquecimento global aproveitaram as cheias em Valência para colocar a carroça à frente dos bois: a causa última das cheias é o aumento das temperaturas, ameaçando um futuro em que os infortúnios continuarão e aumentarão... se não for remediado com a descarbonização.
No entanto, as inundações não demonstram aquecimento. Pelo contrário, o aquecimento deveria demonstrar que é a causa destas inundações e de outras que irão regressar no futuro, como prevêem os charlatões que percorrem os programas de entrevistas televisivos, que relacionam o aquecimento tanto com secas como com tempestades.
A eles, que tanto gostam das fontes oficiais, devemos recordar-lhes as conclusões do IPCC, o órgão da ONU que estabelece doutrina sobre quase tudo relacionado com as alterações climáticas e que, no entanto, é muito cauteloso quando se refere às inundações:
“É muito provável que inundações superiores às registadas desde o século XX tenham ocorrido nos últimos 500 anos no norte e centro da Europa, na região ocidental do Mediterrâneo e no leste da Ásia. No entanto, é moderadamente verdade [sic] que no Médio Oriente, na Índia e na América do Norte central, as grandes inundações modernas são comparáveis ou superiores às inundações históricas em termos de magnitude e/ou frequência.”
O IPCC conclui que “existe falta de provas e, por conseguinte, pouca confiança quanto ao sinal de uma tendência na magnitude e/ou frequência das cheias à escala global”.
As inundações são fenómenos geofísicos locais. Em cada uma das regiões do mundo não respondem aos mesmos padrões e, no caso específico do Mediterrâneo Ocidental, ocorrem todos os anos, geralmente no Outono. Durante os últimos sete séculos, em Valência, ocorreram 75 inundações.
Na segunda metade do século XVIII, o Barão de Maldà já escrevia sobre a “queda de frio” e as inundações em Barcelona. O Barão deu o seu nome às oscilações meteorológicas da sua época, que correspondem ao que ficou conhecido na história climática como a “Pequena Idade do Gelo”.
No Levante, as tempestades são um fenómeno meteorológico tão recorrente que estão na cultura popular, desde canções, a provérbios, a romances, como “Entre naranjos”, de Vicente Blasco Ibáñez, escrito em 1900. Em 1926, Hollywood trouxe o romance para o cinema, com um filme protagonizado por Greta Garbo que foi distribuído sob o nome “The Torrent”, o que indica claramente o seu enredo.
Em espanhol existem abundantes nomes próprios que derivam da raiz árabe “uadi”, que denota o leito seco de um rio sujeito a cheias súbitas e periódicas. No Levante peninsular, a palavra “torrent” não designa apenas algumas localidades, mas é um apelido muito comum. Há registos de cheias que datam do século XIV e permanece na memória colectiva a de 1957, que provocou a morte de 81 pessoas e levou o regime franquista a desviar o rio Turia.
Toda a costa mediterrânica da Península é afectada por cheias. A de Rubí, em Barcelona, em 1962, foi a pior: matou mais de 800 pessoas. O elevado número de vítimas é explicado pela vulnerabilidade de quem vivia nas várzeas de um “wadi”.
Um fenómeno tão recorrente, que deu origem a tanta literatura popular, também interessa aos cientistas. Hoje, uma importante bibliografia foi acumulada em torno das tempestades do Levante. Aumenta o número de investigações em busca de padrões e regularidades, que são sempre locais e se alteram ao longo do tempo.
Os títulos são ilustrativos, como é o caso de “Inundações históricas no sudeste da Península Ibérica desde o século XVI: tendências e análise regional de eventos extremos de inundação”, publicado no ano passado pela revista Global and Planetary Change, que analisa inundações em referida área desde o ano 1500 até ao presente (1).
A frequência e a intensidade das inundações no Mediterrâneo Ocidental evoluem numa escala de várias décadas. Um estudo publicado na Nature, que analisou séries históricas de cheias na Europa de 1500 a 2016, identificou nove períodos de cheias abundantes (2). Os períodos mais notáveis incluem 1560-1580 (Europa Ocidental e Central), 1760-1800 (a maior parte da Europa), 1840-1870 (Europa Ocidental e Meridional) e 1990-2016 (Europa Ocidental e Central).
Na variação secular das cheias na região do Mediterrâneo Ocidental existem períodos anormais de cheias catastróficas concentradas principalmente em torno do período descrito pelo Barão de Maldà, a Pequena Idade do Gelo, ou seja, o período climático entre 1760 e 1800.
Durante o século XIX e início do século XX, as alterações na circulação atmosférica levaram a valores elevados de convergência máxima do fluxo de humidade. A circulação foi mais propícia a episódios de precipitação intensa e duradoura do que em meados do século XX.
Os estudos científicos mostram a grande variabilidade dos fatores que influenciam as tempestades. Alguns apontam variações na atividade solar, encontrando correlações significativas. Outros sustentam que fazem parte da variabilidade climática de grande escala da bacia do Mediterrâneo, associada em parte a padrões de circulação como a Oscilação Árctica e a Oscilação Árctica do Atlântico Norte, que controlam parte dos fluxos de humidade sobre as bacias do Mediterrâneo Ocidental e. oriental.
(1) https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0921818123002916
(2) https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32699397/
Via: https://temposdecolera.blogs.sapo.pt/as-cheias-em-valencia-nao-sao-186921