Maria Luís Albuquerque, a Comissária da Estabilidade Financeira, Serviços Financeiros e Mercados de Capitais da União Europeia (que nome de cargo tão comprido, caramba!) anda há um mês em campanha a promover a ideia de que há 10 biliões de euros (é mesmo biliões, 10 mil vezes mil milhões) de pequenas poupanças dos cidadãos europeus estacionadas em depósitos bancários e em poupanças para as reformas que, acha ela, podem ser muito melhor aproveitadas.
O que a Comissária propõe para cobrir a falta de dinheiro para os projetos de Bruxelas é a União das Poupanças e Investimentos que, e cito um discurso da semana passada, “visa colmatar essa lacuna, especialmente em áreas-chave como a inovação digital, a transição climática e a defesa”.
Isto foi reafirmado numa intervenção feita por Maria Luís no Eurofi High Level Seminar. E o que é este Eurofi? É um “think thank” formado no ano 2000, que reúne de seis em seis meses políticos europeus com dirigentes de bancos, seguradoras, fundos de investimento, bolsas, consultoras e sistemas de transações financeiras.
São 100 empresas europeias, norte-americanas e asiáticas, todas gigantes, membros da fina flor do capitalismo financeiro mundial, que tantas vezes nos tem atirado para crises gravíssimas, e que pretendem, diz o seu site, “contribuir para o fortalecimento e a integração dos mercados financeiros europeus e o trabalho político relacionado”.
Maria Luís foi oferecer a estes mestres da criação de falsa riqueza uma maneira de chegarem ao dinheiro dos remediados da União, seduzindo estes com a hipótese de obterem uma rendibilidade um pouco maior.
Prometeu campanhas de “literacia financeira” para convencer as pessoas, “de forma voluntária” a tirar esse dinheiro dos depósitos para investir em novos produtos financeiros.
Prometeu mudanças de legislação e de procedimentos que prevêem coisas como “inscrição automática em esquemas de pensões ocupacionais”, criação de “pensões complementares” e “investimentos em ações dos fundos de pensões”.
Tudo isto é apresentado sempre com a palavra “prudência” a acompanhar (foi dita seis vezes ao longo dos 10 ou 15 minutos de discurso) para não assustar a opinião pública, mas a palavra-chave que daqui retiro é outra: usurpação.
Desculpem, mas habituado como estou à realidade predatória da alta política e da alta finança, o que acho que se está a passar é isto: a bem ou a mal, com propaganda ou com legislação, as poupanças dos pequenos aforradores e dos pensionistas vão ser postas ao serviço dos grandes investidores, aumentando substancialmente o risco das pessoas perderem o seu dinheiro no processo.
Em Portugal houve um caso BES, não sei se se lembram, onde muitos cidadãos, também de “forma voluntária”, perderam tudo o que tinham em investimentos ditos “seguros” e “prudentes”. O que exemplifica perfeitamente o que se está a preparar em toda a União Europeia sem, como é costume, escrutínio político e debates públicos adequados.
Há, ainda, uma questão moral: eu não quero que a minha poupança para a reforma ou o depósito que tenho no banco sejam usados para comprar armas. Não tenho esse direito? Como posso impedi-lo?...
Autor: Pedro Tadeu
Publicado no "Diário de Notícias" em 18/04/2025